Texto: Lucas 7.11-17
Refletir sobre o tema
“DA MORTE ELE TRAZ VIDA”, me faz lembrar, obrigatoriamente, de um dos
grandes poetas brasileiros: João Cabral de Melo Neto. Este pernambucano
do Recife, primo de Manoel Bandeira, e Gilberto Freyre escreveu a obra
poetizada – Morte e Vida Severina, que apresenta a fuga de um sertanejo
da miséria, da fome e da morte.
Um estudioso do texto de João
Cabral faz a seguinte análise:”Ao inverter a ordem natural do sintagma
“vida e morte”, o poeta registra com precisão a qualidade da vida que
seu poema visa a descrever: uma vida a que a morte preside. E ambas,
morte e vida, têm por determinante o adjetivo “severina”. É importante
acrescentar que, além de descrever uma vida presidida pela morte, o
título também demonstra o percurso feito por Severino durante a peça.
Sai da morte para alcançar a vida.
A Parte Inicial deste Poema diz:
— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Este
sertanejo, por onde anda, encontra a morte. Ladeando o rio Capeberibe,
ele se depara com a morte até chegar ao Recife. Lá novamente se vê
diante da miséria e da mesma morte. Fugiu do sertão por ser lugar de
miséria e morte e chegou à cidade diante da mesma sorte. Por onde anda
ele a encontra. Apenas quando se depara com o nascimento de uma criança,
diante de um presépio, ele vê a vida que nasce da morte, repleta de
esperança!
As últimas 6 cenas apresentam O Presépio ou O Encontro
com a Vida, em que é descrito o nascimento do filho de José, mestre
carpina, em clara alusão ao nascimento de Jesus. A peça se encerra,
portanto, com uma apologia da vida, mesmo que seja severina.
“…E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.”
Nem
eu e você temos o nome de Severino, mas à semelhança dele, peregrinamos
em um mundo onde a busca pela vida nos faz a cada dia deparar com o
cenário da morte. O mundo que vivemos é um mundo de morte. Tudo morre
neste mundo, e não há como fugirmos dela. Para onde seguimos com ela nos
deparamos. Mas, sem morte não há possibilidade de vida.
Jesus
traduziu esta realidade na metáfora do grão de trigo: Sem morte não há
vida! João 12.24 – “Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo,
caindo na terra não morrer, fica ele só, mas, se morrer, produz muito
fruto”.
Narração:
O texto que lemos há pouco nos apresenta um
quadro de morte. Jesus em suas caminhadas se depara mais uma vez com
esta triste realidade humana. Diante da morte de Lázaro, a Palavra diz
que Jesus chorou. A morte ceifava mais uma vida. Agora, era retratada na
dor de uma mulher que havia perdido o marido e também o filho. A morte
de ambos implicava em uma outra morte para esta mulher: a morte social, a
morte financeira, a morte dos sonhos, a morte da esperança. Mulheres
desamparadas estavam condenadas à mendicância. Foi assim com Noemi que
no livro de Rute chega a dizer – “a mim me amarga o Senhor ter
descarregado contra mim a sua mão” e mais “ Não me chameis Noemi,
chamai-me Mara – porque grande amargura me tem dado o todo poderoso”.
Diante deste quadro de morte, Jesus traz vida. Da morte Ele dá vida!
Ao fitarmos este texto podemos aprender 3 lições muito singelas:
1. DIANTE DA CERTEZA DA MORTE, DESTACA-SE A INSEGURANÇA DA VIDA
O poeta português, Fernando Pessoa certa vez escreveu o verso: “Navegar é preciso, viver não é preciso”.
Por
não entender direito ao que se referia o poeta, e por pensar em
discordar da frase, nunca me enamorei muito da obra de Fernando Pessoa.
Conheci vários aportes do poeta como a frase: “Tudo vale a pena, quando a
alma não é pequena”. Mas outro dia, vendo um debate sobre o tema, caiu a
ficha de tão boas e sábias palavras. Em seus dias, navegar implicava em
ter um porto de partida e um porto de chegada. Entre os dois portos uma
carta de viagem tracejada pela orientação da bússola. Hoje em dia seria
do GPS. Isso de maneira precisa e certa. E a vida ? A vida não tem esta
precisão. A vida é imprecisa dizia ele. Não se escolhe onde nascer, e
por mais que se escolha onde morrer, o tracejar da caminhada nos reserva
surpresas e situações que fazem com que a vida de cada um de nós seja
imprecisa, incerta, indefinida – como disse Fernando Pessoa!
Ao
olharmos o texto bíblico desta manhã é isso que nos salta aos olhos
inicialmente. A vida é incerta! Uma mulher perdeu seu marido e agora seu
filho. Será que algum dia ela havia previsto isto ? Será que isso fazia
parte dos seus planos de existência ? Claro que não. Isso são as
incertezas da vida. Na vida, a única certeza que temos é presença da
morte. E Jesus se depara com ela no texto!
2. EM FACE A DOR DA MORTE, A VIDA SÓ TEM SENTIDO SE PATROCINADA PELO AMOR
John Gay declarou: “Aquele que nunca amou, nunca viveu”
Vinicius de Moraes traduziu isto em canção dizendo:
“Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu”…
Mas nada se compara ao que o Apóstolo Paulo declarou sobre a vida e o amor, em 1 Coríntios 13 quando afirmou:
“Eu
poderia falar todas as línguas que são faladas na terra e até no céu,
mas, se não tivesse amor, as minhas palavras seriam como o som de um
gongo ou como o barulho de um sino.
Poderia ter o dom de anunciar
mensagens de Deus, ter todo o conhecimento, entender todos os segredos e
ter tanta fé, que até poderia tirar as montanhas do seu lugar, mas, se
não tivesse amor, eu não seria nada.
Poderia dar tudo o que tenho e
até mesmo entregar o meu corpo para ser queimado, mas, se eu não tivesse
amor, isso não me adiantaria nada”.
Muitas vezes, as incertezas
da vida nos apresentam tristezas e angústias. Mas mesmo diante delas,
podemos perceber o real sentido de tudo pelo mover do amor. A vida só
tem sentido se há amor! O amor enche a vida de graça, desfazendo a
desgraça da morte. O amor reverte quadros de decepção. O amor enche de
sonhos o coração. Como diz o autor sacro: O amor lança fora o medo!
Se a existência veio de Deus, viver em amor é encontrar o sentido da existência – pois a essência de Deus é o amor! João dizia:
“Aquele que não ama, não conhece a Deus, porque Deus é amor”.
Quais as características deste amor de Jesus diante da morte:
- Incondicional – ninguém havia feito nada para merecer aquele gesto.
- Desinteressado – não havia obrigação pelo gesto
- Espontâneo – nada patrocinado por qualquer tipo de obrigação ou imposição.
3. OS SONHOS SÃO RESTAURADOS PELA VIDA QUE VENCE À MORTE
A
morte mata também os sonhos. Os discípulos no caminho de Emaús revelam
isso: “Nós esperávamos que fosse ele quem redimiria Israel”…
A
morte quer amputa os sonhos pode ser vista sob vários prismas. Por
exemplo – pela ótica da competição. No mundo Darwiniano que vivemos, o
mundo da seleção das espécies, só há lugar ao sol para o melhor. Os
demais estão mortos no ostracismo, na sombra e no esquecimento. Não
importa como é que você vai chegar à vitória, se por trapaça, se
fraudando… o mundo só valoriza o vitorioso. Por isso, a ditadura do
sucesso, produz plasticamente a figura de heróis bem-sucedidos –
apodrecidos em seus valores.
Na competição não há espaço para
gestos de amor e compreensão. Louros para quem ganha, morte para quem
perde. Mas foi exatamente neste cenário de competição que vemos um
notável exemplo de vida que vence, vence a imposição da seleção, vence a
própria morte.
ILUSTRAÇÃO: Há alguns anos, nas olimpíadas
especiais de Seattle, também chamada de Paraolimpíadas, nove
participantes, todos com deficiência mental ou física alinharam-se para a
largada da corrida dos cem metros rasos. Ao sinal, todos partiram, não
exatamente em disparada, mas com a vontade de dar o melhor de si,
terminar a corrida e ganhar. Todos, exceto um garoto, que tropeçou no
piso, caiu rolando e começou a chorar. Os outros oito ouviram o choro.
Diminuíram o passo olharam para trás. Viram o garoto no chão, pararam e
voltaram. Todos eles! Uma das meninas, com Síndrome de Down,
ajoelhou-se, deu um beijo no garoto e disse: “pronto, agora vai sarar”. E
todos os noves competidores andaram juntos até a linha de chegada. O
estádio inteiro levantou e não tinha um único par de olhos secos naquela
ocasião. E os aplausos duraram longos e merecidos minutos.
MORAL
DA ILUSTRAÇÃO: As pessoas que estavam ali, naquele dia, entenderam que o
que importa nesta vida, mais do que ganhar sozinho, é ajudar o próximo a
vencer também, mesmo que isso signifique diminuir o passo e mudar de
curso.
Nós só temos vida, porque Jesus se sensibilizou com a
nossa condição. Paulo explicita isso de maneira espiritual dizendo: “Ele
vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados. Pela
graça sois salvos e isso não vem de vós, é dom de Deus” (Efésios 2).
Somente
em Cristo Jesus podemos cantar com Paulo: “Onde está ò morte a tua
vitória, onde está ò morte o teu aguilhão” Pois nele, em Cristo Jesus:
“Somos mais que vencedores” Aos romanos Paulo declarou: “Em todas essas
situações temos a vitória completa por meio daquele que nos amou.Pois eu
tenho a certeza de que nada pode nos separar do amor de Deus: nem a
morte, nem a vida; nem os anjos, nem outras autoridades ou poderes
celestiais; nem o presente, nem o futuro;nem o mundo lá de cima, nem o
mundo lá de baixo. Em todo o Universo não há nada que possa nos separar
do amor de Deus, que é nosso por meio de Cristo Jesus, o nosso Senhor.”
Conclusão: Fernando Pessoa tinha razão: A vida é incerta
Paulo foi cirúrgico ao declarar: A vida sem amor é nada
Mas é preciso lembrar que:
Os sonhos que impulsionam a vida, só são possíveis no poder de Deus.
A ausência da presença e do poder de Deus na vida, estabelece o império da morte!
Ele da morte nos traz a vida… celebremos nesta semana de morte e ressurreição a vitória sobre este último inimigo.
Autor: Carlos Orlandi Junior
quarta-feira, 4 de abril de 2012
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